Publicado em: 25/10/2024.
Para obtenção do título de Doutora em Ciências, Júlia Gabriela Aleixo Vieira desenvolveu sua tese com o tema “Potencial da planta de curry (Bergera koenigii L.) como ferramenta para o manejo de Diaphorina citri (Hemiptera: Psyllidae) e detecção de huanglongbing em pomar de citros”, sob orientação do Prof. Pedro Takao Yamamoto, docente da ESALQ/USP e do SolloAgro.
Imagem: Diaphorina citri, vetor do greening. Fonte: Agência FAPESP.
O greening na citricultura brasileira
A citricultura possui grande importância na economia do Brasil, que se destaca como o maior produtor mundial de laranjas. Entretanto, os produtores de citros seguem sendo prejudicados pelo “Huanglongbing” (HLB), também conhecido como greening, sendo a principal e mais destrutiva doença desta cultura. O greening é causado pela bactéria Candidatus Liberibacter, transmitida pelo inseto-vetor Diaphorina citri Kuwayama.
Árvores de citros infectadas pelo HLB produzem menos frutos e com qualidade inferior, o que gera um impacto econômico significativo. Os principais sintomas da doença incluem manchas nas folhas, nervuras avermelhadas e brotos amarelados. O HLB foi detectado nas principais regiões produtoras de citros do mundo, como São Paulo/Brasil em 2004 e Flórida/EUA em 2005. No Brasil, o inseto-vetor, Diaphorina citri, está amplamente distribuído por estados como São Paulo, Minas Gerais, Paraná, Mato Grosso e outros.
Além de atacar plantas comerciais de citros, o inseto também pode infestar mais de 50 espécies da família Rutaceae, como a murta (Murraya paniculata), uma planta ornamental. No entanto, nem todos os hospedeiros permitem o desenvolvimento completo do inseto, sendo comum que os adultos apenas se alimentem dessas plantas.
Esta doença representa um grande desafio para a citricultura, devido à dificuldade no controle do inseto-vetor. Atualmente, o controle químico é a principal estratégia usada no Brasil para combater o HLB, com a aplicação de inseticidas tanto nas folhas quanto no solo. Embora seja eficaz na redução da população do inseto-vetor e, consequentemente, da doença, o uso contínuo de químicos pode gerar impactos ambientais, como o desequilíbrio biológico, surgimento de pragas secundárias e resistência dos insetos.
Já foram detectadas populações de Diaphorina citri resistentes a alguns inseticidas. Por isso, há uma busca crescente por métodos sustentáveis, como o uso de plantas-iscas.
Plantas-iscas no controle do HLB
Estudos recentes mostram que o uso de plantas-iscas, como a murta e o curry, tem potencial no manejo do Diaphorina citri. A murta, por exemplo, reduziu a incidência do HLB em 43%, embora possa eventualmente transportar a bactéria causadora da doença. Já a planta de curry, mais atrativa ao inseto e imune ao HLB, mostrou redução de 69% na presença do inseto em áreas de citros, sendo uma alternativa promissora no combate à praga.
Além de atrair mais os insetos do que os citros, o curry apresenta compostos químicos com propriedades antimicrobianas que podem estar ligados à sua imunidade ao HLB. Isso sugere que a planta pode ajudar a reduzir a infecção nos insetos.
Tecnologias de precisão no manejo do HLB
Outra estratégia importante no manejo do greening é a agricultura de precisão. Atualmente, a detecção da doença é feita visualmente ou por PCR (Reação em Cadeia da Polimerase – técnica de amplificação de uma região específica de DNA), o que pode ser demorado e caro. Com o uso de drones e sensores, é possível monitorar a lavoura de forma mais eficiente, detectando rapidamente plantas infectadas e direcionando o uso de inseticidas apenas onde for necessário. Essas tecnologias oferecem uma forma mais sustentável e econômica de lidar com o HLB em larga escala.
A pesquisa
Partindo da relevância do combate ao greening, Dra. Júlia buscou desenvolver outras estratégias de manejo. Para isso, utilizou da “planta-isca” Bergera koenigii L., também conhecida como planta do curry, uma espécie vegetal imune à doença de Huanglongbing e mais atrativa ao inseto-vetor que as plantas de citros. Além disso, também avaliou a detecção precoce da doença utilizando sensoriamento remoto, tecnologia da agricultura de precisão.
A pesquisa foi realizada inicialmente com testes de aplicação de três inseticidas em diferentes concentrações:
– Tiametoxam:
– Inseticida do grupo dos neonicotinoides;
– Usado na concentração de 0,25 g por planta;
– Atua no sistema nervoso dos insetos, causando paralisia e morte.
– Tiametoxam + Clorantraniliprole:
– Combinação de neonicotinoide (Tiametoxam) e diamida (Clorantraniliprole);
– Usado na concentração de 0,2 g de Tiametoxam + 0,1 g de Clorantraniliprole por planta;
– O Tiametoxam atua no sistema nervoso dos insetos, enquanto o Clorantraniliprole interfere nos músculos, bloqueando a liberação de cálcio e causando paralisia.
– Imidacloprido:
– Inseticida do grupo dos neonicotinoides;
– Usado na concentração de 0,3 g por planta;
– Atua no sistema nervoso dos insetos, interrompendo a transmissão de impulsos nervosos, resultando em paralisia.
Os tópicos avaliados foram: a alta mortalidade de adultos; efeito prolongado do inseticida após a aplicação; e inibição de oviposição do inseto-vetor quando houve aplicação em concentrações baixas.
Após essa verificação, também foi testada a ação antibacteriana da planta de curry no inseto-vetor. Indivíduos de D. citri foram infectados com a bactéria causadora da HLB e transferidos para plantas de citros e de curry onde permaneceram por 4, 8 e 15 dias. Após isso, foram retirados e submetidos a PCR para quantificação e diagnóstico da bactéria.
Imagem: Comparação das folhas retiradas de plantas: (a) infectadas com “Ca. L. asiaticus” e (b) não infectadas após aproximadamente 200 dias da infecção. Fonte: Teses USP.
Resultados
Os inseticidas sistêmicos testados mostraram eficácia na eliminação de Diaphorina citri em plantas de curry, viabilizando a utilização do sistema atrai-e-mata. Em especial, aqueles que contêm o ingrediente ativo tiametoxam em sua composição apresentaram um controle prolongado, mantendo a eficácia acima de 90% até 42 dias após a aplicação, com uma diminuição gradual posteriormente.
Além disso, baixas concentrações de tiametoxam e da combinação tiametoxam + clorantraniliprole tiveram efeitos sobre a oviposição de D. citri, contribuindo para a redução da população do inseto. Esses avanços podem auxiliar na implementação de métodos de controle mais sustentáveis e compatíveis entre si, como o uso do agente biológico Tamarixia radiata e a aplicação de inseticidas sistêmicos em plantas-iscas, atuando como um sistema atrai-e-mata para os insetos vetores. Essa abordagem integrada contribui significativamente para o manejo de pragas e doenças na cultura dos citros.
Com isso, a Dra. Júlia concluiu que 100% dos insetos que se alimentaram das plantas de citros estavam infectados, enquanto apenas 58% dos que se alimentaram de plantas de curry apresentaram a bactéria.
Também foi testada a possibilidade de usar uma câmera especial (hiperespectral) para identificar plantas doentes que não mostram sintomas visíveis, mostraram diferenças na reflectância de plantas sadias e infectadas pelo HLB. A partir da segunda avaliação, notou-se variações na região do vermelho de borda (660-750 nm). Após seis semanas (cerca de cinco meses da infecção), diferenças significativas surgiram nas faixas espectrais de 520-680 nm. No início, plantas sadias tiveram maior reflectância no infravermelho próximo (700-1000 nm), mas entre 80 e 150 dias da infecção, a reflectância no visível (500-600 nm) foi menor nas plantas saudáveis. Isso indica que a reflectância pode ajudar a identificar infecções assintomáticas, fundamentando o uso de imagens hiperespectrais em futuros estudos.
Conclusão
O estudo conduzido pela Dra. Júlia investigou novos métodos para o controle da Huanglongbing, uma doença que afeta amplamente a citricultura em nível global. A pesquisa revelou que há alternativas promissoras para o manejo desta praga, oferecendo estratégias complementares e sustentáveis além do uso de agroquímicos, contribuindo assim para a melhoria das práticas de controle fitossanitário na citricultura.
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