O papel da matéria orgânica do solo na produtividade agrícola

Publicado em: 01/08/2025.

A produtividade agrícola a longo prazo depende tanto da biologia e da estrutura do solo quanto do uso de insumos. A matéria orgânica é uma das “engrenagens” que sustentam esse equilíbrio. 

A matéria orgânica do solo (MOS) é um componente-chave da fertilidade, com papel decisivo na estrutura, retenção de água, disponibilidade de nutrientes e suporte à vida microbiana. 

Em solos tropicais, sua manutenção é ainda mais crítica devido à elevada taxa de decomposição.

Nas últimas décadas, a intensificação agrícola e a mudança do uso da terra provocaram uma forte perda de carbono no solo. Estima-se que, desde o início da agricultura, cerca de 133 bilhões de toneladas de carbono foram perdidos dos dois primeiros metros do solo no mundo (Sanderman et al., 2017). Essa perda compromete a estabilidade do sistema produtivo.

Em contrapartida, práticas que promovem o acúmulo e a estabilização da MOS, como plantio direto, uso de leguminosas e sistemas integrados, figuram como estratégias-chave para restaurar a qualidade do solo e contribuir com o sequestro de carbono.

Confira a seguir os principais impactos agronômicos da matéria orgânica e como manejá-la de forma eficiente.

Solo como reservatório funcional de carbono

A MOS é um dos componentes mais estratégicos da fertilidade e sustentabilidade dos sistemas agrícolas. O que representa entre 1 e 5% da massa do solo, além de regular processos físicos, químicos e biológicos

A fração estável da MOS é capaz de permanecer no solo por décadas ou séculos, e atua no funcionamento do agroecossistema.

Esta fração estável é originária da transformação de resíduos vegetais, exsudatos radiculares e compostos microbianos que, ao interagirem com argilas e óxidos metálicos, formam complexos organominerais de alta estabilidade.

Imagem: Compartimentos da matéria orgânica do solo. Fonte: Almeida et. al (2015)

Impactos agronômicos da MOS: além da fertilidade química

A influência da MOS se estende para além da nutrição mineral. Seu papel abrange funções estruturais, biológicas e hidrológicas que moldam o ambiente radicular, afetam a eficiência dos insumos e determinam a resiliência dos cultivos frente a estresses abióticos. 

Entender essas funções é necessário para explorar todo o potencial produtivo do solo:

  • Nutrição de plantas: a mineralização da MOS fornece grande parte do nitrogênio e enxofre disponíveis no solo, além de liberar fósforo orgânico. Compostos húmicos modulam a capacidade de troca catiônica (CTC) e elevam a disponibilidade de nutrientes como potássio, cálcio, magnésio, zinco e manganês.
  • Física do solo: a presença de MOS melhora a estabilidade de agregados, favorece a aeração, a infiltração e a retenção de água. Em solos tropicais, sua ação ajuda a mitigar o impacto da chuva intensa e do tráfego de máquinas.
  • Qualidade biológica: a MOS serve como principal fonte de energia da microbiota edáfica. Regula a abundância de fungos micorrízicos, rizóbios e actinobactérias, além de influenciar a produção de enzimas como β-glicosidase e arilsulfatase, associadas à ciclagem de carbono e enxofre.

Mecanismos de estabilização do carbono no solo

A MOS estável se forma e se mantém por três mecanismos complementares, que determinam sua permanência no solo:

  • Proteção física: compostos orgânicos ficam aprisionados em microagregados do solo, como partículas menores de 250 μm, que limitam o acesso de microrganismos e enzimas às substâncias orgânicas. Essa forma de proteção é importante em sistemas conservacionistas, com boa estruturação do solo e cobertura permanente.

Imagem: esquema da estrutura, composição e organização de um agregado de solo. Fonte: Bini et al. (2016).

  • Associação organomineral: grupos funcionais da MOS (carboxílicos, fenólicos) formam ligações estáveis com a superfície de minerais como argilas de alta atividade, óxidos de ferro (Fe) e alumínio (Al), o que resulta em complexos organominerais insolúveis. Esse é o principal mecanismo de estabilização em solos tropicais argilosos.
  • Recalcitrância molecular: alguns compostos da MOS apresentam estrutura química complexa e resistente à decomposição, como exemplo da lignina, suberina, taninos, compostos aromáticos condensados, que exigem enzimas especializadas para sua degradação.

Imagem: fluxo dos compartimentos de carbono nas frações da matéria orgânica do solo. Fonte: (Schiebelbein et al., 2022)

A saturação de carbono e seus limites

Cada solo possui uma capacidade máxima de acúmulo de carbono estável, conhecida como C-saturação

Quando esse limite é atingido, a eficiência do acúmulo adicional de MOS diminui.

Revisões sistemáticas recentes mostram que práticas conservacionistas adotadas em larga escala no Cerrado brasileiro como plantio direto, cobertura vegetal e integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF), promovem acúmulo consistente de carbono no solo até 1 m de profundidade. 

Estimativas indicam incrementos de até 1,24 Mg C ha⁻¹ ano⁻¹ sob plantio direto, 0,54 Mg C ha⁻¹ ano⁻¹ com cobertura vegetal e 1,00 Mg C ha⁻¹ ano⁻¹ em sistemas ILPF (Oliveira et al., 2023)

Estratégias práticas para acúmulo de MOS estável

  • Rotação de culturas e plantio direto: diversifica os resíduos e estimula a formação de agregados estáveis;
  • Uso de leguminosas e espécies perenes: fornece exsudatos radiculares contínuos e favorece o aporte de carbono em profundidade;
  • Incorporação de materiais orgânicos estabilizados: esterco curtido, composto maturado e biochar contribuem para a fração estável;
  • Controle do pH e adição de remineralizadores: otimizam a formação de complexos organominerais com carbono;
  • Sistemas integrados (ILPF): intensificam o fluxo de carbono e aumentam a diversidade funcional no solo.

Conclusão

A produtividade sustentável não depende apenas de insumos, mas de processos. A MOS, principalmente a fração estável, regula a nutrição, a biologia e a resiliência do agroecossistema. Sua preservação representa um investimento de longo prazo, com retorno em produtividade, eficiência e sustentabilidade.

Referências bibliográficas:

Almeida, J. A. de, Lunardi Neto, A., & Vidal-Torrado, P. (2015). Sombric horizon: Five decades without evolution. Scientia Agricola, 72, 87–95. https://doi.org/10.1590/0103-9016-2014-0111 

Bini, Daniel & Varon-Lopez, Maryeimy & Cardoso, Elke. (2016). Metabolismo Microbiano.

Oliveira, D. M. da S., et al., (2023). Climate-smart agriculture and soil C sequestration in Brazilian Cerrado: A systematic review. Rev. Bras. Ciênc. Solo, 47(spe). https://doi.org/10.36783/18069657rbcs20220055

Sanderman, J., Hengl, T., & Fiske, G. J. (2017). Soil carbon debt of 12,000 years of human land use. Proceedings of the National Academy of Sciences, 114(36), 9575–9580. https://doi.org/10.1073/pnas.1706103114 

Schiebelbein, B. E., Carvalho, M. L., Locatelli, J. L., Mendonça, R. S., Rodrigues, Y. F., & Cherubin, M. R. (2022). Plantas de cobertura e as inter-relações com a saúde do solo. Portal de Livros Abertos da USP. https://doi.org/10.11606/9786587391335

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