Fixação biológica de nitrogênio: a tecnologia invisível que faz o Brasil economizar bilhões de dólares

Publicado em: 31/10/2025.

A fixação biológica de nitrogênio gera economia bilionária à soja brasileira, reduz fertilizantes e emissões de CO₂-e, unindo produtividade e sustentabilidade.

A fixação biológica de nitrogênio (FBN) tem desempenhado um papel importante na agricultura brasileira, especialmente na produção de soja, uma das culturas que mais contribuem para o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário nacional.

Entre 2019 e 2020, estimou-se que o Brasil economizou cerca de US$ 15,2 bilhões em custos com fertilizantes nitrogenados na cultura da soja em razão da FBN. 

Além da economia direta, a tecnologia contribui para a redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), consolidando-se como um pilar da agricultura sustentável.

Imagem: Quantidade de doses de inoculantes aplicadas, área e produção de soja no Brasil, com base em dados da Conab (2021a) e Santos et al. (2019). Traduzido de Talles et al. (2023).

Fixação biológica de nitrogênio (FBN)

A FBN é um processo natural realizado por microrganismos, como as bactérias do gênero Rhizobium e Bradyrhizobium, que possuem a enzima nitrogenase, responsável por converter o nitrogênio atmosférico (N₂) em formas assimiláveis pelas plantas, como amônia (NH₃).

Esse processo ocorre principalmente em leguminosas, como soja, feijão e amendoim, que formam nódulos nas raízes, locais onde ocorre a simbiose entre as plantas e as bactérias fixadoras de nitrogênio.

Imagem: a FBN reduz a dependência de fertilizantes sintéticos, promovendo eficiência econômica e mitigação de emissões de CO₂ na produção agrícola. Traduzido de Talles et al. (2023).

Aplicações práticas da FBN na agricultura brasileira

No Brasil, a FBN é adotada na cultura da soja, sendo responsável por suprir praticamente toda a demanda de nitrogênio da planta.

De acordo com Telles et al. (2023), na safra 2019–2020, o uso de inoculantes à base de Bradyrhizobium spp. e a coinoculação com Azospirillum brasilense resultaram em um lucro adicional de US$ 914 milhões aos produtores.A tecnologia já alcança cerca de 25% da área cultivada de soja, reflexo de sua eficiência agronômica, baixo custo e elevada rentabilidade.

Do ponto de vista ambiental, a FBN evitou a emissão de 183 milhões de toneladas de CO₂-e, valor equivalente a cerca de US$ 5 bilhões em créditos de carbono, reforçando seu papel como prática de mitigação climática.

Porque não adubar a soja com nitrogênio?

Para compreender a importância da FBN, vale um cálculo simples:

O grão de soja tem, em média, 40% de proteína, isso significa cerca de 24 kg de proteína por saca. Como a proteína é composta também por nitrogênio, estima-se que cada saca leve consigo aproximadamente 3,8 kg desse nutriente. Em uma lavoura produtiva, com 80 sacas por hectare, isso representa mais de 300 kg de nitrogênio retirados do solo por hectare.

É nesse ponto que a FBN mostra seu valor: ela fornece de 50% a 70% dessa necessidade, podendo, sob condições ideais de manejo e inoculação, atingir até 90–100% da demanda total da cultura.

Isso evidencia a autossuficiência biológica do sistema produtivo da soja tropical, com redução expressiva de custos e impactos ambientais.

A contribuição de Johanna Döbereiner

O artigo Biological nitrogen fixation in the tropics: social and economic contributions (Fixação biológica de nitrogênio nos trópicos: contribuições sociais e econômicas) de Johanna Döbereiner (1997) representa um marco na compreensão do papel da FBN como alternativa sustentável ao uso de fertilizantes sintéticos.

A pesquisadora demonstra, com base em evidências experimentais e dados econômicos, como o Brasil se tornou líder mundial na substituição de adubos nitrogenados pela FBN, com impactos positivos tanto na agricultura quanto no meio ambiente.

Döbereiner argumentou que, embora os solos tropicais brasileiros sejam pobres em nitrogênio e fósforo, a seleção natural e o melhoramento de genótipos adaptados a condições de baixa adubação nitrogenada favoreceram o desenvolvimento de culturas com maior capacidade de associação com bactérias diazotróficas, organismos capazes de converter o N₂ atmosférico em formas assimiláveis pelas plantas.

Entre os principais exemplos citados estão:

  • A soja (Glycine max), que no Brasil é cultivada sem aplicação de N, graças à simbiose eficiente com rizóbios específicos, o que resulta em economia anual de bilhões de dólares em fertilizantes.
  • Os cereais, como o milho e o arroz, que podem suprir até 30% do N necessário por meio de associações com bactérias como Herbaspirillum, Burkholderia e Azospirillum.
  • A cana-de-açúcar (Saccharum spp.), que pode fixar até 150 kg N ha⁻¹, sendo considerada a base do sucesso do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), exemplo mundial de biocombustível com balanço energético altamente positivo.

Em síntese, Döbereiner demonstra que a FBN é um componente fundamental da agricultura tropical sustentável, capaz de unir alta produtividade, baixo custo e preservação ambiental.

Sua pesquisa consolidou a base científica que orienta até hoje os programas brasileiros de inoculação e manejo biológico do nitrogênio, tornando o país referência mundial nessa área.

Conclusão

A fixação biológica de nitrogênio (FBN) representa uma das tecnologias mais eficientes e sustentáveis da agricultura moderna.

Além de reduzir custos de produção, contribui para a segurança alimentar, a preservação dos recursos naturais e a mitigação das mudanças climáticas.

Com o avanço científico e o aumento da adoção de inoculantes de alta qualidade, a FBN tende a se consolidar ainda mais como estratégia-chave para a sustentabilidade e competitividade da agricultura brasileira.

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*Texto redigido pela equipe SolloAgro. 

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