Clima e agricultura: como se adaptar à nova realidade climática no campo

Publicado em: 08/08/2025.

O clima é o principal fator limitante da produtividade agrícola no Brasil. Entenda os impactos da variabilidade climática nas lavouras e o que fazer para se adaptar.

A agricultura brasileira é marcada por contrastes: temos um dos maiores potenciais produtivos do mundo, mas também uma das maiores dependências do regime de chuvas. 

Cerca de 90% da área cultivada no país não utiliza irrigação, o que torna o clima o principal determinante do sucesso ou fracasso de uma safra.

Nos últimos anos, essa dependência tornou-se um risco. A intensificação da variabilidade climática, com secas prolongadas, chuvas intensas, ondas de calor e geadas fora de época, já impactam a produtividade, o zoneamento agrícola e o planejamento das atividades no campo.

Diante dessa nova realidade, entender o comportamento do clima, seus impactos fisiológicos nas plantas e suas consequências no uso da terra é fundamental para redefinir estratégias de manejo, escolha de cultivares, época de plantio e uso de insumos. 

Mais do que nunca, é hora de alinhar ciência e produção para proteger o agro do futuro.

Confira a seguir os principais impactos do clima na produtividade agrícola.

Clima como fator limitante: o maior desafio da produtividade agrícola

Em um país de dimensões continentais como o Brasil, o clima poderia ser uma vantagem produtiva. Em certas regiões, temos temperatura e radiação solar ideais para o desenvolvimento de diversas culturas.

Imagem: climas do Brasil. Fonte: IBGE (2024)

No entanto, na prática, o clima tem sido o principal fator limitante da produtividade agrícola, responsável por cerca de 50% da variabilidade da produção, como afirma o Prof. Fábio Marin, docente da ESALQ/USP e do SolloAgro.

Essa limitação ocorre não apenas pela falta ou excesso de água, mas também pela instabilidade dos padrões meteorológicos, que prejudicam o planejamento agrícola. 

O fenômeno El Niño, por exemplo, provocou atrasos na semeadura e necessidade de replantio em várias regiões, especialmente no Sul do país. Em contrapartida, o La Niña favoreceu estiagens prolongadas no Centro-Oeste e Norte (Oliveira et al., 2024).

Essa oscilação entre extremos gera perdas quantitativas e qualitativas, como o abortamento de flores, má formação de grãos, redução no acúmulo de açúcares e menor eficiência no uso de nutrientes.

Implicações técnicas:

  • Plantas estressadas hídrica ou termicamente reduzem sua eficiência fotossintética e respiratória;
  • Regiões tradicionalmente produtivas passam a ter restrições temporais e janela curta de plantio;
  • Aumenta o risco de desalinhamento entre estádios fenológicos e disponibilidade hídrica/lumínica.

Efeitos fisiológicos das mudanças climáticas nas plantas

As mudanças climáticas além de afetarem o calendário do produtor, também afetam o funcionamento das plantas. 

O aumento da temperatura, por exemplo, acelera o metabolismo vegetal, o que encurta o ciclo de culturas como milho, feijão e soja. Isso reduz o tempo para acúmulo de biomassa e, por consequência, de produtividade.

Imagem: Alterações nas condições abióticas afetam direta e indiretamente a probabilidade de sobrevivência de uma espécie. Fonte: Modificado de Becklin et al. 2016

O Prof. Carlos Eduardo Cerri, docente da ESALQ/USP e do Programa SolloAgro, explica:

“Com a seca prolongada, as sementes tornam-se inviáveis, incapazes de germinar por falta de água. Em outros casos, com chuvas excessivas, as plantas sucumbem devido ao acúmulo de água no solo, causando a saída de oxigênio e privando as plantas das condições essenciais para a sobrevivência”.

Além disso, existe um paradoxo relacionado ao aumento de CO₂ atmosférico. Embora, em um primeiro momento, sua elevação possa estimular a fotossíntese, o impacto climático associado traz consequências negativas. Como destaca o Prof. Marin:

O aumento da temperatura média tende a ser prejudicial para a agricultura tropical, especialmente para plantas C3, como café, feijão e arroz, que são mais sensíveis a variações térmicas”.

Implicações técnicas:

  • Maior risco de perda de vigor de sementes em ambientes quentes e secos;
  • Culturas de ciclo C3 sofrem mais com fotoinibição e desequilíbrio entre captação e fixação de carbono;
  • Aumento da susceptibilidade a doenças e pragas, como ferrugens e brocas, que se favorecem em ambientes mais quentes e úmidos.

Alterações no uso da terra: realocação de cultivos e degradação ambiental

Com o agravamento dos eventos climáticos extremos, agricultores têm sido forçados a abandonar áreas produtivas e buscar alternativas em regiões menos afetadas. Essa migração do cultivo causa um efeito dominó: deslocamento de fronteiras agrícolas, pressão sobre novos biomas, aumento de custos logísticos e necessidade de novos ajustes de solo.

Imagem: mudanças de uso e cobertura do solo. Fonte: Quintão (2021)

“Áreas que antes eram tradicionalmente dedicadas à agricultura estão sendo abandonadas, enquanto outras, previamente não tão propícias, demandam adaptações para serem produtivas”, ressalta o Prof. Cerri.

Essa instabilidade territorial interfere na produtividade, no custo da produção e na segurança alimentar, criando cenários de incerteza para produtores, cooperativas e indústrias.

Implicações técnicas:

  • Novas áreas requerem calagem, gessagem e reestruturação do perfil do solo;
  • Alterações no regime de chuvas exigem readequação do manejo hídrico e da adubação;
  • Redefinição do zoneamento agrícola de risco climático (ZARC) para diversas culturas.

Estratégias para adaptação: tecnologia, manejo e previsão

Uso de ferramentas agrometeorológicas

A previsibilidade climática passou a ser tão importante quanto fertilizantes e sementes. Projetos como o TempoCampo, da ESALQ/USP, oferecem previsões mensais agrometeorológicas por vídeo, direcionadas a produtores e técnicos.

Além disso, o uso de modelos matemáticos, séries históricas, estações automáticas e NDVI auxiliam no monitoramento em tempo real da condição das lavouras.

Decisões orientadas por dados:

  • Alteração do período de semeadura com base em previsões de chuva;
  • Antecipação ou postergação de tratos culturais conforme risco de geada ou veranico;
  • Avaliação da necessidade de cobertura morta ou cultivos de serviço para proteção do solo.

Manejo adaptativo e escolha de materiais genéticos

Não há mais espaço para manejar a lavoura apenas com base em calendário fixo. A nova agricultura exige plasticidade. 

Isso envolve:

  • Escolher cultivares mais tolerantes ao estresse hídrico e térmico;
  • Adotar plantio direto, cobertura permanente e aumento da matéria orgânica do solo;
  • Investir em sistemas integrados (ILP, ILPF) para diversificar riscos e melhorar o microclima local.

“Os agricultores precisam usar dados passados e previsões futuras para tomar decisões mais seguras e econômicas”, reforça o Prof. Marin.

Agricultura como solução climática: o sequestro de carbono no solo

A boa notícia é que a agricultura também pode ser parte da solução climática, se manejada com responsabilidade. As plantas capturam CO₂ da atmosfera via fotossíntese e, parte desse, carbono pode ser estabilizado no solo por séculos.

Imagem: respostas das árvores tropicais e das herbáceas às altas concentrações de CO₂. Fonte: Lafieco/IB/USP (2025)

De acordo com o Prof. Cerri, “quando o carbono do tecido vegetal sofre decomposição por microrganismos e se estabiliza, pode ficar ali por séculos”. 

Esse processo, conhecido como sequestro biológico de carbono, pode transformar o solo em um verdadeiro reservatório climático, ajudando a mitigar os efeitos do aquecimento global.

Implicações práticas:

  • Maior uso de plantas de cobertura e compostos orgânicos;
  • Redução da emissão de gases por fertilizantes nitrogenados e queima de palhada;
  • Práticas que aumentam o carbono estável no solo ajudam na estrutura, infiltração e retenção hídrica.

Conclusão

O clima deixou de ser um “detalhe” e passou a ser o centro das decisões no campo. A agricultura brasileira, se quiser manter sua competitividade e produtividade, precisará investir em previsão, adaptação, manejo inteligente e formação técnica.

Os desafios são grandes, mas as oportunidades também: ao adotar práticas sustentáveis, investir em tecnologia e compreender os sinais do clima, o produtor pode prosperar em meio à nova realidade.

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Referências bibliográficas:

OLIVEIRA, Isabelle Angeli et al. Os fenômenos El Niño e La Niña impactam a resposta espectral da vegetação nas regiões Nordeste e Sul do Brasil. Cadernos de Agroecologia, v. 19, n. 1, 2024.

QUINTÃO, José et al. Mudanças do uso e cobertura da terra no Brasil, emissões de GEE e políticas em curso. Ciência e Cultura, v. 73, n. 1, p. 18–24, 2021. DOI: https://doi.org/10.21800/2317-66602021000100004.

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